Por Andréa Cristina de O. Struchel, Secretária do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e por Angelica Soares, Advogada especialista em direito administrativo e da causa animal.

A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da Unesco, celebrada na Bélgica em 1978, e subscrita pelo Brasil, elenca entre os direitos dos animais o de “não ser humilhado para simples diversão ou ganhos comerciais”, bem como “não ser submetido a sofrimentos físicos ou comportamentos antinaturais”. A Carta da Terra, reza que se deve tratar todas as criaturas decentemente e protegê-las da crueldade, sofrimento e matança desnecessária (art. 14).

No Brasil, a lei maior em nosso país: a Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (art. 225, §1º, inciso VII). As competências legislativa (de elaborar normas) e material (de fazer cumpri-las) são comuns entre todos os entes federativos (CF/88, arts. 23, VII; 24, VI e 30), ou seja, União, Estados e Municípios têm o dever de proteger a fauna. E, o sentido de fauna dado pela Constituição é amplo: doméstica e silvestre, ou seja, todos os animais.

Da legislação infraconstitucional, vale destacar o Decreto 24.645/34 (Código de Caça e Pesca), possibilitando a identificação das condutas ilícitas de tráfico de animais, disciplinado, com certo rigor a caça e a comercialização de animais silvestres, substituído sequencialmente em 1939 por um novo Código de Caça Decreto-Lei 1210, trazendo regras menos protetivas e, em 1943, com o Decreto-lei 5894, com outro Código de Caça, revogando o de 1939. 

Em 1967, a Lei nº 5.197 de 03 de janeiro, conhecida como “Lei de Proteção à Fauna”, voltou-se à proteção dos animais silvestres. O Decreto-lei 221/67 (Código de Pesca), em que trata da captura da fauna aquática, com vistas meramente à sua atividade econômica, sendo em 1987 modificado pela Lei n° 7.679/88. 

Em relação aos cetáceos, em 1987, a Lei n° 7.643 proibiu a sua pesca, ou qualquer outro modo de maus tratos ou prejuízos intencionais, em águas nacionais. Também, a Lei de Contravenções Penais (Decreto- Lei 3.688/41), vetava a crueldade contra os animais (art. 64).

Atualmente, tem-se a criminalização da conduta “maltratar animais, quer sejam eles, domésticos ou selvagens”, com detenção de três meses a um ano, e multa, para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (Lei 9.605/98, art. 32).

Existe ainda uma gama de legislação específica que disciplina a utilização de animais em experiências científicas, vivissecção, rodeios e outros eventos que se utilizam animais conforme exposto adiante e muita polêmica entre o limite do consumo, do manter por esporte diversão ou cultura os animais.

O fato é que não existe no Brasil um ordenamento jurídico sistematizador, como ocorre para outros temas ambientais, a exemplo do Sistema nacional de Unidade de Conservação, que tem uma norma nacional que define as categorias e formas de proteção desses espaços especialmente protegidos. 

Para a total e real proteção da fauna doméstica e silvestre é importante uma codificação única e sistematizadora: Estatuto Nacional dos Animais, em prol desses seres vivos, numa nova ordem de sociedade, reconhecendo-se minimamente a função ecológica que os animais exercem para o nosso equilíbrio planetário. Para além do arcabouço legal, precisamos mudar nosso padrão civilizatório e reconhecer a fauna como ponto fulcral de proteção da natureza e, portanto, de nossa própria sobrevivência como ser planetário.

Fato é que existem diversas espécies na lista de risco de extinção (lobo guará, onça pintada, arara azul, peixe boi marinho etc.) e muitas outras já foram extintas (rinoceronte negro do oeste africano, entre muitas). 

Trazemos como exemplo de eliminação de lobos e depois a inserção da espécie no ecossistema para seu reequilíbrio num caso emblemático nos Estados Unidos.

Ocorreu que os lobos haviam sido eliminados do Yellowstone National Park, no noroeste dos Estados Unidos, há 70 anos. Em 1995, seguindo o Endangered Species Act, o US Fish and Wildlife Service reintroduziu uma alcatéia de 14 lobos vindos do Canadá. Nos anos seguintes, mais algumas dezenas foram trazidas de outras partes da região. 20 anos depois, a transformação do parque é inacreditável: o número de animais e de espécies aumentou muito, a floresta teve uma recuperação expressiva, e até os rios mudaram. A chegada dos lobos causou uma mudança em cascata nos hábitos dos animais dos outros níveis tróficos. Sem a presença de lobos, os alces e veados não tinham predadores, então podiam circular livremente e comer toda a vegetação dos vales do parque. Quando chegaram os lobos, eles foram obrigados a seguir um padrão de comportamento mais seguro, se refugiando nas terras altas. Isso fez a vegetação crescer mais (em 10 anos, algumas árvores quintuplicaram de tamanho). Árvores mais altas significam mais aves, insetos, e mais castores. Esses, veja só, com suas barreiras criaram represas que atraíram lontras, patos, peixes e anfíbios. Os lobos caçam coiotes, o que fez o número de coelhos e ratos crescer, e esses atraíram falcões, doninhas e raposas. Texugos e corvos chegaram para se alimentar das sobras das caças dos lobos. Ursos também apareceram, em parte pela caça farta, mas também pelo aumento das frutas nas árvores e arbustos. O crescimento da mata afetou as margens dos rios, pois as raízes reduzem a erosão. Os rios tiveram seus cursos estabilizados, passaram a formar piscinas naturais, e os canais estreitaram. Os lobos mudaram não só o ecossistema, mas a geografia do parque.

Com a eventual extinção do lobo-guará, o que acontecerá com os nossos ecossistemas, especialmente o cerrado brasileiro?

A lição dos lobos de Yellowstone demonstra que, nós, seres humanos, os animais e a natureza podemos ter uma relação de sobrevivência e vivência.

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