Por: Leonard SEBIO Dr. P&D Ciência e Tecnologia da Biomassa.

Desde os tempos pré-históricos, o Saara tem experimentado fases naturais de extensão e recuo, mas o fenômeno da extensão cresceu devido ao crescimento da população em sua periferia e mudanças climáticas. A desertificação, as mudanças climáticas e a degradação das terras têm um grande impacto nas principais alavancas do crescimento econômico, de coesão social, estabilidade e segurança dos países ao longo do deserto de Saara e Sahel. A recorrência e a recrudescência dos impactos, apesar de vários planos de ação de luta, levaram a urgência de uma abordagem regional baseada em um compromisso comum, de ações concertadas.

Como um aventureiro de coração, o explorador inglês Richard St. Barbe Baker embarcava em uma longa jornada pelo Saara. Na época, esse intelectual militava por uma causa então desconhecida que era o reflorestamento. Das vastas planícies canadenses ao Quênia, ele pregava a boa palavra do ambientalista que quer ouvi-lo.

Após a Segunda Guerra Mundial, suas palavras ressoam cada vez mais. Com sua nova notoriedade, Baker amadureceu então um projeto faraônico: lutar contra a desertificação, construindo um gigantesco muro verde que margea o deserto do Saara desde oceano Atlântico até o Índico. Porém, vasto, muito caro, o plano Baker para o Saara, considerado inatingível pelos especialistas da época, cairá no esquecimento.

Mas, várias décadas depois, para enfrentar o grande desafio de secas repetidas, má gestão dos recursos naturais e os avanços do deserto diante dessa ameaça ecológica, os especialistas tiraram da gaveta o projeto de Richard St. Barbe Baker atualizando-o para lidar com as novas realidades ambientais no Saara! Portanto, o plano Baker se torna “A Grande Muralha Verde (GMV)”.

A ideia de um Muro Verde reapareceu em 2002, na Cúpula Especial em N’Djamena, no Chade, por ocasião do Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca. Essa ideia foi, portanto aprovada na sétima sessão da Conferência dos Líderes Africanos e Chefes de Governos da Comunidade dos Estados Sahelo-Saarianos, em Ouagadougou no Burkina Faso, em junho de 2005. Desde então, o conceito de Grande Muralha Verde evoluiu bastante como um longo corredor de 15 km de largura cruzando todo o continente africano numa extensão de 7.800 km; isso representará cerca de 117.000 km2, ou 11,7 milhões de hectares e é considerado o maior projeto ecológico do mundo até o momento. Símbolo de uma África que prepara seu futuro, a partir de sua apresentação em Addis Abeba na Etiópia em 2007, o projeto gera entusiasmo e encontra forte apoio dos chefes de governos do continente. A fim de fornecer à Iniciativa, mecanismos de coordenação, harmonização de ações e apoio à mobilização de recursos, juntos onze países sahelo-saarianos como ilustrado na Figura 1 (Burkina Faso, Chade, Djibuti, Eritreia, Etiópia, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal e Sudão) criaram a Agência Panafricana da Grande Muralha Verde (APGMV- Fig. 2) em 17 de junho de 2010 em N’Djamena sob os auspícios da União Africana (UA).

A APGMV é uma organização intergovernamental com capacidade jurídica internacional que conseguiu angariar um orçamento de US $ 2 bilhões, financiado em grande parte pelo Banco Mundial, pela União Européia e pela União Africana após vários anos de concepção estratégica e investigação de campo.

As lições aprendidas da barragem verde da Argélia ou do Muro Verde da China proporcionaram uma melhor compreensão da necessidade de uma abordagem multissetorial para resultados sustentáveis. Desde uma iniciativa de plantio de árvores, a Grande Muralha Verde para o Saara e o Sahel tornou-se assim uma ferramenta de programação de desenvolvimento, um programa emblemático da União Africana para contribuir com a meta de um “mundo onde a degradação da terra seria zero” adotado durante da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável RIO+ 20.

Ao estabelecer uma estrutura para aprimorar sinergias e cooperação, a iniciativa que não se limita apenas a um projeto de reflorestamento, é uma ferramenta de programação para o desenvolvimento rural. Ela é vista como um mosaico de ações integradas e enfatiza a importância das parcerias com as partes interessadas nos níveis nacional, regional, sub-regional e internacional, inclusive por meio da cooperação Sul-Sul e transferência de tecnologia promovendo a participação dos atores locais para garantir a sustentabilidade das ações.

A Grande Muralha Verde pode cumprir com os compromissos de combater a desertificação, incluindo a neutralização da degradação da terra, ao mesmo tempo em que conserva a biodiversidade, atenua as mudanças climáticas e fortalece a adaptação às mudanças climáticas. No entanto, o valor da biodiversidade no gerenciamento sustentável da terra e na proteção dos serviços ecossistêmicos precisa ser amplamente compreendido, a fim de identificar as melhores opções de investimento para os países como um todo.

É uma abordagem multissetorial, holística e ecossistêmica, que combina atividades sustentáveis de gestão da terra, restauração de bases de produção, conservação e proteção do Capital Natural e atividades de desenvolvimento econômico local e integrado o que significa que, além das plantas, promove-se um conjunto de atividades agro-silvo-pastorais que geram renda na visão de transformação das zonas sahelo-saariana em pólos econômicos viáveis.

O reflorestamento é realizado durante a estação chuvosa em parcelas de 600 hectares, quando as árvores são plantadas em áreas protegidas por cercas blindadas do gado Fulani. Depois que as árvores são instaladas, as cercas podem ser removidas e o gado pode pastar à sombra das árvores. As aldeias também são montadas como jardins polivalentes operados por cooperativas para produzir frutas e vegetais frescos.

Nesses aspectos, a metáfora “muralha” que leva a entender uma contenção do avanço do deserto cria controvérsia, todavia a expressão “Cinturão Verde” seria apropriada.

As mudas de árvores preexistentes são usadas em nível local, resistentes a chuvas locais muito baixas (200 mm/ano em 2015 vs. 400 mm/ano em média na década de 1960) e são de interesse econômico. O gerenciamento de viveiros de mudas e hortas multiusos é confiado às mulheres, criando empregos e produção de alimentos em nível local.

Em novembro de 2014, a Nigéria iniciou a construção da parte que envolve seu território, numa extensão de 1.500 km, enquanto a milhares de quilômetros de distância no Senegal, o trabalho das plantações já está bem avançado, com seus 50.000 pés de árvores, incluindo uma alta proporção de acácias do Senegal plantadas nos últimos anos e os observadores já estão registrando os primeiros sucessos do projeto.

Implementação e Essências utilizadas para reflorestamento

Alguns anos após o plantio, observa-se uma melhoria na biodiversidade tanto da flora quanto da fauna, com o retorno de alguns animais selvagens (raposas, avestruzes e outras aves). Também foram criados tanques de retenção de água da chuva para suprir a sede dos animais.

As espécies mais comumente plantadas são:

  • Acacia Senegalia senegal, ou goma branca para a produção de goma arábica;
  • Acacia Vachellia seyal;
  • Goma falsa de acácia (Acacia tortilis);
  • Acacia Vachellia nilotica, ou goma vermelha;
  • Tamareira do deserto (Balanites aegyptiaca);
  • Boscia senegalensis;
  • Jujuba (Ziziphus jujuba);
  • Combretum glutinosum, eficaz contra a tosse;
  • Marula, para a produção de álcool.

Uma cobertura florestal contribui para numerosos elementos positivos para as comunidades locais tais como:

  •  Proteção dos campos e das aldeias contra o vento e a erosão. O muro vegetal constitui um filtro que limita a inalação de pó e outras partículas por parte das populações e, portanto, as doenças que causam.
  • Contribuição de elementos nutritivos num solo quase morto pois as folhas mortas criam uma capa que protege e regenera os solos dos campos e as árvores ajudam igualmente aumentando a capacidade dos solos para reter a água.
  • Aumento da humidade e das precipitações locais graças à evapotranspiração das árvores plantadas.
  • Reserva de forragem de qualidade para o gado, pois a erva cresce melhor à sombra das árvores.
  • Garantir segurança alimentar para a população com um solo mais fértil.

Com o ganho da venda das gomas usadas na indústria agro-alimentar, essas árvores impulsionam uma nova dinâmica para a economia local. Por fim, é também a umidade do solo e a queda nas temperaturas diurnas que podem ser impactadas positivamente pela GMV. O New York Times relata que a vida selvagem já responde a esse retorno da vegetação num ambiente na sua maioria desértico. Em algumas áreas, onde a fauna não consegue parar há muitos anos, as aves migratórias estão voltando, diz o diário americano numa natureza que recupera seus direitos.

IMPORTÂNCIA DO SAARA NA SUSTENTABILIDADE DA AMAZONIA

O que liga o maior e mais quente deserto do mundo à maior floresta tropical?

O deserto do Saara é uma faixa quase ininterrupta de areia e matagal, ocupando um terço da região norte da África. Há 10.000 anos, o Saara era coberto por um enorme lago de peixes. As mudanças climáticas regionais e globais reduziram gradualmente essa área de água doce aos atuais limites do lago Chade, a menos de 1.500 km2. No local, se estende a depressão de Bodélé, uma área deserta atravessada por fortes ventos a tal ponto que metade da poeira do deserto que entra na atmosfera vem dessa região, que continua sendo a primeira do mundo em erosão eólica. Mas, depois que os fortes ventos varrem o Saara, uma nuvem ocre se eleva no ar, se espalha entre os continentes e une o deserto e a selva. É poeira. Muita poeira que em outubro de 2013, pesquisadores da Universidade de Londres relataram ser um excelente fertilizante para a natureza.

A floresta amazônica, quanto a ela, é uma densa massa verde de floresta úmida que cobre o norte da América do Sul. Por crescer em solo pobre, a floresta amazônica vê sua produtividade limitada pela disponibilidade de nutrientes como o fósforo. Além disso, fortes chuvas aumentam a perda no solo a cada ano. Em sua análise, com base nos dados coletados entre 2007 e 2013 pelo satélite Cloud Aerosol Lidar e Infrared Pathfinder Satellite Observations (CALIPSO) e pelo satélite radar CloudSat, uma equipe de pesquisadores estima que essas perdas de fósforo sejam compensadas pela poeira natural.

NASA apresenta o Saara como um equilíbrio intercontinental

 Pela primeira vez, um satélite da NASA quantificou em 3D a poeira que faz essa viagem transatlântica. Os cientistas não apenas mediram o volume de poeira, mas também calcularam quanto de fósforo sobram nas areias do Saara que remontam a um passado em que o deserto era o leito de um lago. Ou seja, a poeira da depressão de Bodélé que contém enormes depósitos de microorganismos mortos carregados com fósforo é levantada sob a influência de tempestades na atmosfera e se espalha por correntes de ar sobre os continentes. Desde então, um novo estudo publicado no final de fevereiro de 2015 na revista Geophysical Research Letters com as evidencias da NASA (Fig. 3) mostrou em imagens que a poeira do Saara contribui amplamente para fertilizar o solo da Amazônia.

Os pesquisadores estimam que sejam 27,7 milhões de toneladas de areia que são transportadas pelos ventos para a Amazônia do outro lado do Atlântico depositando cerca de 22.000 toneladas de fósforo em média por ano, essencial para o desenvolvimento de plantas e animais além de outros elementos como potássio, cálcio ou magnésio que devem fazer parte da jornada transcontinental. Segundo os cientistas, essas entradas equilibrariam as perdas de nutrientes, pois estima-se que 90% dos solos da vasta bacia amazônica estão lixiviados pelas chuvas e escoamentos.

O fósforo é um nutriente essencial para as proteínas de crescimento dos animais e das plantas das quais a floresta amazônica depende para a floração; é o mesmo encontrado em fertilizantes comerciais mas raro nos solos da bacia Amazônica. Nenhum metabolismo é possível sem presença de fósforo pois é considerado como “fator limitante real dos seres vivos”.

A análise dos dados, ano a ano, mostra também que esse modelo de transferência de nutrientes intercontinental é realmente muito variável, pois houve uma mudança de 86% entre a maior quantidade de poeira transportada em 2007 e a menor em 2011.

Os cientistas acreditam que isso esteja relacionado às condições do Sahel, a longa faixa de terras semi-áridas na fronteira sul do Saara. Depois de comparar as mudanças no transporte de poeira com vários fatores climáticos, os pesquisadores encontraram uma correlação com a precipitação no Sahel em relação ao ano anterior. Quando as chuvas no Sahel aumentaram, o transporte de poeira no ano seguinte foi menor. Uma possibilidade é que o aumento das chuvas significa mais vegetação e menos exposição dos solos à erosão eólica no Sahel. Uma segunda explicação, mais provável é que a quantidade de chuva esteja relacionada à circulação dos ventos, que é o que finalmente varre a poeira do Sahel e do Saara para a atmosfera superior, onde ela pode sobreviver à longa jornada através do vento acima do Oceano Atlântico.

Portanto, apesar dos milhares de quilômetros que os separam, o deserto do Saara e a floresta amazônica estão ligados: a cada ano, um ciclo natural transporta milhões de toneladas de areia do continente africano para o continente sul-americano. Uma contribuição necessária para a maior floresta equatorial do mundo florescer. Essa estimativa enriquece o conhecimento sobre o comportamento e o papel da poeira no meio ambiente e seus efeitos no clima. Um deserto que fertiliza uma floresta equatorial!

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