Nenhum dos 23 pontos analisados pela Fundação SOS Mata Atlântica apresenta água em condições adequadas para uso da população.

Por: Luiz Soares, assessoria de imprensa.

Após um ano de uma das maiores tragédias ambientais do Brasil, a Fundação SOS Mata Atlântica retorna a Brumadinho (MG), à bacia dos rios Paraopeba e Alto São Francisco, e se depara com diversas cicatrizes ainda abertas: no rio, nas pessoas e no meio ambiente. Entre os dias 08 e 17 de janeiro de 2020, a equipe da organização percorreu aproximadamente 2.000 km por estradas, passando por 21 cidades, entre Brumadinho e Felixlândia, para analisar a qualidade da água em 356 km do rio afetado pelo rompimento da barragem da empresa Vale. Nesta quinta (23), a Fundação apresenta o relatório completo da expedição Paraopeba e Alto São Francisco. 

Assim como em 2019, a expedição teve como objetivo levantar dados independentes sobre a condição da qualidade da água na região e avaliar o impacto do dano aos ecossistemas, à geografia, paisagem e cobertura florestal nativa da Mata Atlântica. Além disso, ouvir comunidades ribeirinhas e famílias atingidas pelo crime ambiental e levantar como seguem suas vidas após brusca mudança de realidade.

Nesta expedição, foi possível ver o trabalho de remediação e redesenho da paisagem que a empresa Vale vem fazendo nas microbacias do Córrego Ferro Carvão e do Córrego Casa Branca, em Brumadinho, e um sistema de tratamento da água desses afluentes do rio Paraopeba, na área diretamente impactada. No município de Brumadinho, por exemplo, é intensa a movimentação de máquinas, obras de reconstrução de estradas e pontes para acessos a bairros que estavam bloqueados por rejeitos. É um ambiente ainda bastante hostil e desolador, com muitas propriedades que foram desocupadas, atividades econômicas cessadas para dar lugar às ações de redesenho da paisagem.

“Na medida em que descíamos o rio, isolado de suas comunidades por cercas instaladas pela Vale, percebemos que muito pouco vem sendo feito. A água chega às propriedades rurais, ilhas e comunidades ribeirinhas por caminhões pipa e grandes cargas de água mineral envasada. Pelo rio, o que chega é a poluição que vai aumentando gradativamente com o período chuvoso, por conta do carreamento dos rejeitos e contaminantes que vão impactando a região para áreas distantes do núcleo da tragédia. Falta informação para os ribeirinhos e os sentimentos de impunidade e dor imperam se somam a insegurança hídrica”, afirma Malu Ribeiro, coordenadora da expedição e gerente da causa Água da Fundação SOS Mata Atlântica.

Resultados

De acordo com o relatório, os indicadores de qualidade da água aferidos revelaram que água está imprópria e sem condições de usos por toda a extensão percorrida, em desconformidade com os padrões estabelecidos na legislação. Somente em alguns trechos no baixo Paraopeba e início do lago de Três Marias, onde há corredeiras e maior volume de água com contribuição de afluentes de melhor qualidade, o rio apresenta condições de vida aquática.

Em 11 pontos de coleta, os rejeitos e contaminantes presentes na água não permitem sequer a presença de vida aquática. E o número de colônias de bactérias, que têm capacidade de decompor matéria orgânica, diminuiu consideravelmente com a mudança drástica dos ecossistemas.

Dos 23 pontos analisados nenhum apresentou qualidade boa ou ótima. Os indicadores obtidos apontam ainda que a água não pode ser utilizada em toda extensão monitorada. Em nove pontos os índices aferidos foram péssimos; em 11, ruim; e apenas em um foi regular. Em dois pontos de coleta não foi possível realizar as análises por falta de condições de acesso ao rio. Todos os pontos analisados apresentam padrões em desconformidade com a legislação. Em 2019, foram 22 pontos analisados, 10 apresentaram resultado ruim e 12 péssimo.

“Na medida em que descíamos o rio, isolado de suas comunidades por cercas instaladas pela Vale, percebemos que muito pouco vem sendo feito”, afirma Malu Ribeiro, coordenadora da expedição e gerente da causa Água da Fundação SOS Mata Atlântica.

Metais pesados

Foram encontrados metais pesados na água, como ferro, manganês e cobre em níveis muito acima dos limites máximos fixados na legislação. Outros metais analisados também foram o cromo e sulfeto. 

Segundo a norma legal vigente (Resolução Conama 357), a concentração máxima de cobre na água para rios como o Paraopeba (classe 2) é de 0,009 mg/L. Em 2020, o cobre foi encontrado em concentrações 44 superiores, na média, ao máximo permitido pela legislação, alcançando no ponto mais elevado, por exemplo, 0,45 mg/l. Já o manganês, que o limite é de 0,1 mg/L, foi verificado, na média, 14 vezes acima dos limites máximos permitidos, chegando a 2,3 mg/l no ponto mais elevado. O ferro, por sua vez, que não pode existir nas águas deste tipo, na média, chegou a concentrações 15 vezes superiores aos níveis máximos permitidos pela legislação. Nos pontos mais elevados, ele chegou a 6 mg/l. 

Em 2019, o cobre encontrado na água chegou a mais de 4 mg/L, o manganês chegou a até 3 mg/L em alguns locais e o ferro acima de 6 mg/L. 

O consumo de quantidades relativamente pequenas de cobre livre pode provocar náuseas e vômitos. Existe o risco de seres humanos apresentarem sintomas como rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza a partir da ingestão de manganês, forma da contaminação deste metal. A concentração elevada de ferro e manganês na água podem ser os responsáveis pela coloração avermelhada do rio. Ou seja, estes metais oferecem riscos à saúde humana, dos organismos vivos e ecossistemas. 

Para Marta Marcondes, professora e coordenadora do Laboratório de Análise Ambiental do Projeto Índice de Poluentes Hídricos (IPH), da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), esses dados de metais pesados e microrganismos “significam a preocupante diminuição dos organismos da microbiota do rio. Isso impacta na capacidade do Paraopeba em se recuperar. Infelizmente, as bactérias encontradas até o momento são causadoras de doenças e não aquelas que tem capacidade de degradar matéria orgânica. Apesar da quantidade ser muito menor do que foi encontrado em 2019, é importante salientar que os valores obtidos nas análises ainda se encontram muito acima da capacidade que um sistema biológico tem de metabolizar e excretar esses metais. Todos os metais encontrados têm capacidade, se ingeridos, de se acumularem nos sistemas biológicos humanos e da fauna, e trazer sérios problemas, renais, hepáticos, neurológicos e mesmo de esterilidade”, afirma a especialista.

Cobertura Florestal

Em 2019, dados da SOS Mata Atlântica/INPE/MapBiomas constataram o desmatamento de 112 hectares de florestas nativas por conta do dano ambiental da Vale. Destes, 55 hectares eram áreas bem preservadas. Em 2020, a cicatriz continua aberta e há indícios de áreas em processo de regeneração. Verificou-se também, por imagens de satélite, uma nova supressão de vegetação nativa de 1,8 hectare para abertura de uma estrada, mas a razão e impactos de tal mudança da paisagem ainda precisam ser averiguadas em campo.

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Imagens obtidas via satélite (SOS Mata Atlântica/ INPE/ MapBiomas)

Turbidez

A análise sobre a turbidez da água é um dos principais parâmetros utilizados para avaliar a qualidade da água doce superficial. A turbidez elevada, além de alterar drasticamente a cor da água, impede a passagem da luz e a fotossíntese, causando a morte da vida aquática no rio. 

Em 2019, a turbidez chegou a 96 vezes acima do valor máximo permitido pela legislação ambiental nos piores trechos do Rio Paraopeba.

Em 2020, o rio apresentou grande capacidade de recuperação, com redução deste indicador, mas as concentrações ao longo de todo trecho continuam em desconformidade, variando entre 5 e 13 vezes acima do limite máximo definido na legislação. Com o período chuvoso e a ocorrência de temporais na região de Brumadinho o carreamento de rejeitos pelo rio avança para o Baixo Paraopeba, no Reservatório de Retiro Baixo aumentando o risco de comprometimento da qualidade da água no trecho inicial do reservatório de Três Marias.

Os valores mais altos de turbidez registrados neste período de análises foram de 1.380 NTU (sigla em inglês para a unidade matemática Nefelométrica de Turbidez), ou seja, 13 vezes mais que o máximo permitido, no ponto de coleta no município de Paraopeba. O segundo pior ponto alcançou 1.240 NTU e foi localizado entre os municípios de Pompéu e Curvelo.

Comunidade 

Durante toda a viagem, a equipe da Fundação constatou que há muita falta de informação aos moradores e que a sensação de impunidade e de injustiça aumenta. 

“Além do redesenho da paisagem a empresa precisa avançar na restauração ambiental e florestal, mas, principalmente olhar para as questões culturais, sociais e econômicas. Os valores imateriais associados à vida alterada dessas comunidades na bacia hidrográfica precisam ser mensurados e ressarcidos. A relação das pessoas com o seu lugar de origem e especialmente com o rio não estão sendo considerados”, afirma Marcelo Naufal, monitor do projeto Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica. 

Entre as recomendações que a organização faz no relatório da expedição, estão: o monitoramento em tempo real da qualidade da água no rio Paraopeba; informação e comunicação que faça sentido para as comunidades atingidas –  com implementação de bandeiras sobre a balneabilidade e restrição ou permissão de pesca e atividades de recreação no rio; e a realização de ações de reparação e remediação em toda a bacia do rio Paraopeba, em especial com o desassoreamento do rio nos trechos a montante da usina de Ibirité e no reservatório de Retiro Baixo.


FOTOS – Jessica Rampazo


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