Por Mário Gravem Borges, artista plástico, professor, curador.
O reconhecimento dos direitos dos animais representa a consagração absoluta da vida na face da Terra. Trata da criatura e trata do princípio criador com que o animal homem foi constituído. É cereja na cobertura do bolo – marcha da civilização humana – testado pela erraticidade da expansão, – inclusive para se destruir completamente – mas principalmente, para não se destruir. E não destruir nada, não matar gente nem bicho. Não matar. Não machucar. Crescer e evoluir e fazer nutrir. E preservar o que nutriu. Livre arbítrio foi feito para isso.
Homo sapiens, homo mobilis, homo habilis e legalis homo. Crescer e evoluir. A lei da natureza passa a ser mediada pela lei dos homens quando este se constitui em sociedade. A sociedade se organiza por meio de leis. O direito passa a ser atributo e atribuição do indivíduo enquanto membro da coletividade;
O reconhecimento do direito na dinâmica relacional entre seres humanos agora se estende aos bichos, o Legalis animalis! No século 19 reconheceu-se nos bichos seres senscientes.
Sentem dor, têm sentimentos; têm percepções conscientes da realidade que os cerca.
A diferença entre a mente dos bichos e a mente humana pode residir apenas no grau de complexidade, e não em gênero. Charles Darwin, precursor da biologia moderna, concordaria. A noção de bichos terem direito consagra os valores com que o ser humano se percebe como senhor para governar e cuidar, e não perder o que ganhou de presente.
Somos todos animais, e é essa a força do argumento.
Somos a Natureza.
O homem é animal de carne e osso. O bicho também. Mas homem não é bicho.
O cão, o cavalo e o gato, são animais. São de carne e osso, e são bichos. O bicho se organiza em bandos para sobreviver. O homem também.
Daí a troca entre iguais, que são diferentes.
Aprendem ensinando. Ensinam-se mutuamente.
Cuidando.
O bicho muda na presença do Homem. Humaniza-se. Alimentado pelo homem, o bicho pára de caçar e portanto pára de matar outros bichos. E o homem se torna humano quando cuida do bicho. Cuidando, não o teme.
Na empatia, pelo filtro da emoção, o homem projeta-se, claro, e ficcionaliza metáforas: … leão de Judá, o tigre da Esso, a Anta do Modernismo. Há nelas também laços mútuos a partir da heterogeneidade. É o desafio.
Desafio vira encantamento, e encantamento, amor. Andrócles e o leão do famoso conto de fato existiram? Não importa. Existem no coração de quem lê por força do amor.
O leão não matou Andrócles porque sabia que Andrócles o amava.
A Ciência explica a causalidade, a estatística, os caminhos e a etiologia dos fenômenos. Foi feita para isso. E vai continuar explicando. Mas explica como? Na causalidade einsteiniana de entender o mundo, o sábio Albrecht explicou muita coisa. Descobriu inclusive que a linha reta (não esta da página que você está lendo, mas outra) podia ser curva. E revelou-se determinista, mas abriu exceções: proclamou êxtase com o universo e – humilde – admitiu nossa pequenez. E perguntou: “de onde vem o amor?” E confessou que isso ele não saberia explicar.
O Deus abrâmico punitivo não lhe parecia o mesmo que criara o universo, mas afirmou vigorosamente sua crença no Nazareno histórico cujo espantoso legado “efetivamente salvaria o mundo” – todos os mundos – “se fosse subtraído” (desse legado) tudo o que espuriamente se lhe acrescentou.
E o que disse o Nazareno? “Só vos peço que vos ameis assim como eu vos amo”. E falava com quem? Falava com quem o quisesse ouvir; … ouvir e seguir. Os que não quiseram seguir acabaram por matá-lo barbaramente, mas até nisso erraram. A atrocidade resultou na percepção do amor incondicional, pois foi perdoada sem revide. Einstein talvez concordaria. E podemos acrescentar ao amor incondicional seu teor retributivo, soterológico e transcedental.
Falar de Einstein é fácil – está em camisetas, canecas e pôsteres no mundo inteiro. Sua visão da cosmologia que cuidadosamente estudou aponta valores na cosmogonia com que tentamos entender nosso sentido existencial. E sua conversa desembocou numa êxtase inexplicável: o amor.
Mas que tal falarmos com quem mora na rua? São pessoas que não conhecem as leis da física nem as teorias da relatividade mas conhecem as cidades em cujas ruas vivem, dormem e comem. E têm seus bichos de estimação ao pé de si. São humanos que pedem comida para seus bichos antes de pedirem para si próprios. Não sabemos por que escolas passaram, mas a escola da vida alguma coisa os ensinou. E amar seus bichos foi uma: amor incondicional.
A arquiteta Maria Rita Amoroso conhece bem Einstein, mas nunca conversou com ele, nem mora na rua. Mas cuida de ruas , casas, edificações e seus habitantes..e flores, praças, árvores e bichos. Sua cosmologia é também a cosmogonia. É a dinâmica de todos os seres e sua função. É amor. Sua vasta experiência profissional incorpora estudos de oceanografia (frequentou a Fundação de Estudos do Mar), estudos do patrimônio florestal (Campinas principalmente), de patrimônio histórico edificado em várias partes do mundo, e mais. Organiza simpósios,congressos e convênios na comunidade internacional. E fala da natureza como quem fala do supremo fórum de todas as coisas; diz que os animais a atingem profundamente. Fica sem dormir quando os vê atropelados, ou os imagina numa floresta em fogo. Entende a cupidez e ganância do ser humano como reversão do processo que o criou. “ a Natureza está indignada, e reage por autofagia. Destrói-se ela também em resposta às atrocidades de que o homem é capaz”. Aponta a pandemia Covid19 como evidência desse processo reativo. A água está desaparecendo,assim como abelhas e peixes. A Amazônia, o maior banco natural de bio diversidade, está ardendo.
Cita gatos e cachorros em hospitais de crianças com câncer. Os animais catalizam energias negativas que percebem em nós. Cita peixes e plantas como seres vivos que são. Fala de conexão entre todas as coisas, que, se for perdida, pagaremos caro. Como arquiteta afirma que as formas vêm da natureza. E finaliza com uma citação: “Quando Deus quis criar os peixes, falou com o mar; quando quis criar as árvores, falou com a terra. Mas quando quis criar o homem, voltou-se para si mesmo.”
Stenio de Oliveira concordaria. Artista visual de extrema pluralidade e professor, exibe, na visceralidade matérica de seu trabalho, afinidade extraordinária com as metáforas da Criação. Ou seria a anatomia de tudo o que leva oxigênio? É gente, é bicho? É coisa? Não importa. É matéria onde moram almas. À matéria viemos, e dela partimos, galgando degraus para próximas dimensões. Suas obras, em qualquer formato, provocam êxtase e reação. A fantasmagoria tátil e convulsiva das formas são recortes orgânicos em materiais familiares, anatomia de corpos conhecidos não identificados que respiram. Espalhadas pela Casa de Vidro/ Museu da Cidade em Campinas, a natureza metaforizada na arte pulsava, heterogênea, no verde parque do Lago do Café. Na sua bela exposição este ano, ressoava o repertório espiritual rico, plural e explícito do autor das obras. Expressamente credente, o jovem Stenio desfia sua fé no trabalho e na vida como tecido bordado sem costuras.
Em nada diferente quanto à fé, afeto e ação – investidas, porém, em na esfera científica – o veterinário Roberto Luis Stevenson, em Campinas, é qualificadíssimo profissional de medicina veterinária. Amado ‘médico da familia’ – dos bichos, claro – atende a domicílio, mas dedica boa parte de seu tempo como voluntário, em que o forte do trabalho são emergências com animais silvestres. E milagres, amplamente documentados nas redes sociais, acontecem todos os dias pelas mãos do cientista credente, restaurador humano da obra divina.
Roberto é a quinta geração de uma família ligada à inovação sustentável e consciente. Antepassados ingleses eram aparentados com o maior escritor oitocentista de lingua inglesa – Robert Louis Stevenson – quem não se lembra da Ilha do Tesouro”, ou “O Médico e o Monstro”? – apaixonado pela natureza, pela selva e pelo mar , que passou os últimos dias morando numa casa orgânica na beira da mata e do mar em Samoa no Pacífico sul.
Os parentes se notabilizaram como engenheiros, tanto na Inglaterra como no Brasil, nisto renunciando a títulos de nobreza ( a tetravó deste moço era a Condessa de Mar and Kelly ). Seu bisavô ‘ campineiro’, o engenheiro Carlos Stevenson – Charles William Erskine Stevenson, – , mudou a história das ferrovias brasileiras em seus lugares-chave. Em Campinas, desenvolveu projetos – e maquinário – inovadores.
A sólida formação profissional do nosso doutor veterinário ( dado imprescindível, claro) é apenas instrumento de trabalho, mas no trabalho reside a nobreza deste jovem brasileiro…e sua porção divina. Keep up the good work and God bless you, young Robert Louis!