Quase todo mundo conhece ou tem um parente que tem rinite, Alzheimer ou mesmo câncer de pulmão.

A improvável ligação entre esses três tipos de enfermidades bastante distintas é a poluição atmosférica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 4 milhões de pessoas morrem de forma prematura anualmente devido à exposição prolongada à poluição atmosférica ao ar livre.

Esse problema é mais acentuado nas regiões urbanas em todo o mundo, onde se estima que 9 em cada 10 habitantes convivem diariamente com níveis de poluição atmosférica superiores ao recomendado para uma vida saudável. O impacto desse problema é ainda mais grave em grupos vulneráveis.

Dados da OMS mostram que a morte de quase meio milhão de crianças antes dos 5 anos devido a problemas respiratórios, como pneumonia, está relacionada com o ar poluído.
No Brasil, o município de São Paulo (SP) pode ser considerado um dos casos mais graves em termos de poluição do ar. Isso porque o problema faz com que mais de 12 milhões de paulistanos que movimentam o maior PIB municipal brasileiro respirem o equivalente a quatro cigarros por dia. A enorme quantidade de poluentes no município advém, principalmente, da frota automotiva.

Esse fato foi ilustrado durante a Greve dos Caminhoneiros. Segundo o professor Paulo Saldiva do Instituto de Estudos Avançados, ao fim do sétimo dia de greve os níveis de concentração de poluentes na atmosfera haviam reduzido em 50%.

AS MÚLTIPLAS FONTES DA POLUIÇÃO DO AR

Os veículos são uma fonte complexa de poluentes, pois há diversas categorias, como carros caminhões e motos, que consomem combustíveis diferentes e isto faz com que sejam responsáveis por uma enorme diversidade de poluentes.

Suas emissões não vêm apenas do escapamento, mas também dos freios, do desgaste do motor até indiretamente da poeira que estes levantam ao passar no asfalto.

Além disto, uma fonte importante que ainda carece de estudos é o reabastecimento dos carros, pois quando se enche um tanque de combustível o ar saturado de combustível que havia lá dentro é expulso diretamente para o ar livre.

Mas nem sempre foi assim. Nos anos 90 a principal fonte de poluição do ar em SP eram as indústrias, porém com o crescimento e espalhamento populacional a migração destas para regiões mais afastadas da capital acabou contribuindo para uma diminuição de muitos compostos carcinogênicos presentes no ar.

Pelo mesmo motivo a construção civil e, por fim, a frota veicular acabaram por se tornar as principais fontes segundo a pesquisa publicada pela professora Maria de Fátima Andrade da USP.

SAÚDE E POLUIÇÃO

Poluição em São Paulo - Revista Fórum Brasil de Gestão Ambiental

Além da poluição no local de trabalho, a exposição que o trabalhador é sujeito no transporte até o trabalho é um problema a se considerar.

A poluição do ar causa prejuízos para a cidade. Segundo a ONU, os três principais problemas de saúde gerados pela poluição são a doença cardíaca isquêmica (entupimento das veias que pode levar ao infarto), o AVC e a pneumonia.

Estas são as mesmas três principais doenças da cidade de São Paulo. A exposição à poluição causa problemas neurológicos também. Isto impacta o rendimento do trabalhador paulistano e até mesmo pode afetar a inteligência da população como apontam os pesquisadores Zhang, Chen e Zhang.

Todos os habitantes de São Paulo e arredores são afetados por estes problemas, porém as diferenças socioeconômicas agravam ainda mais este efeito, principalmente pela diferença de tempo que os trabalhadores de classe baixa e média gastam se deslocando para o trabalho em comparação aos mais ricos.

Este tempo a mais causa um efeito catastrófico na saúde daquele que passa quatro horas do dia em média dentro de um ônibus exposto à intensa poluição como dito pelo professor Paulo Saldiva no Fórum Permanente UNICAMP sobre Clima e Saúde.

COMO A LEI VÊ A POLUIÇÃO?

Existe uma série de poluentes denominados Poluentes Prioritários que têm seu impacto à saúde muito bem documentado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs níveis máximos recomendados para eles.

No Brasil a resolução CONAMA nº 491 de 19/11/2018 propôs uma série de regulamentações para atingir tais níveis após passar por três fases intermediárias. Em SP os níveis destes poluentes são monitorados pela rede de monitoramento da CETESB com dados públicos de hora em hora.

A CETESB elabora relatórios anuais sobre a qualidade do ar e sobre as emissões da frota veicular que podem ser encontrados em https://cetesb.sp.gov.br/publicacoes-relatorios/.

Uma das iniciativas mais importantes para a qualidade do ar de SP tomadas pelo Ministério do Meio Ambiente foi a elaboração do PROCONVE. Este programa elaborou uma série de restrições de emissões para veículos novos em fases de adaptação ao longo dos anos.

Isto gerou uma melhora significativa na qualidade do ar de SP, de forma que hoje 41% das emissões dos carros são provenientes de apenas 7% da frota, não por acaso esses 7% são veículos da primeira fase do PROCONVE com mais de 20 anos de idade.

COMO O PROFISSIONAL MODERNO PODE ADQUIRIR INFORMAÇÕES SOBRE A QUALIDADE DO AR PARA MELHORAR A PRODUTIVIDADE E QUALIDADE DE VIDA DE SEUS FUNCIONÁRIOS?

Pesquisas apontam que a produtividade do trabalhador é afetada pela qualidade do ar do local de trabalho e arredores como verificado por Li, Liu e Salvo (https://www.econstor.eu/bitstream/10419/110177/1/dp8916.pdf).

Um efeito comum que ocorre dentro de escritórios modernos é a baixa quantidade de oxigênio no ar e a alta densidade de gás carbônico por conta do uso do ar-condicionado interno.

Com ele as pessoas acabam por não abrir mais as janelas durante o dia e (caso não seja instalado com entrada de ar externo) ele fica apenas circulando o ar interno e a própria respiração dos funcionários acaba por causar tal efeito que está vinculado com a baixa produtividade e aumento do mal estar e agressividade das pessoas no final do dia.

A troca dos filtros destes equipamentos também impacta na qualidade do ar dentro dos escritórios.

Além da poluição no local de trabalho, a exposição que o trabalhador é sujeito no transporte até o trabalho é um problema a se considerar. A cientista Verônika Brand (USP) e o pesquisador Professor Prashant Kumar (University of Surrey) mostraram que a escolha da rota e meio de transporte acabam por mudar completamente a poluição pela qual a pessoa é exposta.

E nem sempre esta exposição é intuitiva: em diversas pesquisas o metrô se mostrou muito mais poluído do que os carros quando de trata de material particulado (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412016305803).

Esta questão urbanística se alinha com a tendência do atual planejamento urbano de criar zonas mistas onde há habitações e empresas de diversos setores próximos um do outro. Isto reduz vertiginosamente o tempo de viagem até o trabalho que hoje toma quase três horas do dia do trabalhador comum segundo o Ibope Inteligência (https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/09/18/paulistano-demora-quase-3-horas-por-dia-no-transito-e-88-dos-pedestres-se-sentem-inseguros-diz-pesquisa.ghtml).

Hoje existem diversas fontes de informação interativa sobre qualidade do ar em diferentes regiões de SP que podem ser utilizadas para ajudar a solucionar esse problema. Uma destas ferramentas é o site emissoes.energiaeambiente.org.br do Instituto de Energia e Meio Ambiente que mostra um mapa de dispersão de uma série de poluentes gerados pela frota veicular de SP. A CETESB fornece um mapa da qualidade geral do ar medida em tempo real por suas estações no link https://servicos.cetesb.sp.gov.br/qa/ .

QUAIS SÃO AS PERSPECTIVAS SOBRE A QUALIDADE DO AR NA CIDADE DE SÃO PAULO?

Tanto iniciativas privadas quanto públicas estão se envolvendo para melhorar a qualidade do ar em SP. Do ponto de vista público novas estratégias urbanísticas de adaptações devem ser tomadas para que, a longo prazo, exista uma melhora na qualidade do ar e possamos alcançar os futuros padrões determinados pela CONAMA n° 491.

Do privado, ações locais dentro dos escritórios e em seus arredores podem refletir diretamente na produtividade das empresas.

Grandes companhias já estão se adequando às novas dinâmicas do mercado atual e repensando o ambiente de trabalho em diversos níveis. A preocupação com a poluição naturalmente se integrará à estas mudanças.

Algumas políticas que podem ser ressaltadas são alterações nos modais de transporte em São Paulo. Cada vez mais o uso de sistemas de transportes como Uber, 99 e Cabify faz com que uma parcela da população, principalmente os jovens, prefiram não comprar automóveis.

Outras tendências que estão impactando, ainda que de forma tímida, são as ciclofaixas. Nelas, bicicletas oferecidas por serviços de aluguéis como a Yellow rodam nas principais avenidas comerciais paulistanas, como a Faria Lima e a Berrini.

Apesar de existir claramente uma nova tendência sendo aderida pela população paulistana e que contribui para a diminuição da frota automotiva, São Paulo ainda tem muito o que aprender com outras cidades pelo mundo. Um amplo movimento realizado, principalmente em cidades europeias, torna regiões da cidade em car-free, ou seja, regiões onde carros não são permitidos de trafegarem.

Uma das cidades mais radicais nesse aspecto é Oslo, na Noruega, que tem como objetivo banir carros do centro da cidade até o final deste ano. Já a capital dinamarquesa, Copenhagen, é a cidade com a maior região onde não se pode circular automóveis. Por fim, mesmo Paris inflexibilizou sua política com relação aos carros, prevendo em 2024 não serão mais permitidos carros à diesel e em 2030 os carros a gás serão banidos.

É importante notar que esse movimento de diminuir a dependência de automóveis em regiões urbanas traz benefícios à saúde e diminui as emissões de gases de efeito estufa. Entretanto, ele só é possível com grandes investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana, melhorias no transporte público e favorecimento de modais como as bicicletas. Para isto é vital um forte diálogo entre os setores público e privado.

REFERÊNCIAS

Zhang, X., Chen, X., & Zhang, X. (2018). The impact of exposure to air pollution on cognitive performance. Proceedings of the National Academy of Sciences, 115(37), 9193-9197.

Li, T., Liu, H., & Salvo, A. (2015). Severe air pollution and labor productivity (No. 8916). IZA Discussion Papers.

Andrade, M. F., Kumar, P., de Freitas, E. D., Ynoue, R. Y., Martins, J., Martins, L. D., … & Gonçalves, F. L. T. (2017). Air quality in the megacity of São Paulo: Evolution over the last 30 years and future perspectives. Atmospheric Environment, 159, 66-82.

G1. ([s.d.]). Paulistano demora quase 3 horas por dia no trânsito, e 88% dos pedestres se sentem inseguros, diz pesquisa. Recuperado 2 de setembro de 2019, de https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/09/18/paulistano-demora-quase-3-horas-por-dia-no-transito-e-88-dos-pedestres-se-sentem-inseguros-diz-pesquisa.ghtml

9 European Cities That Are Making Great Strides to Become Car Free. ([s.d.]). Recuperado 2 de setembro de 2019, de https://www.goodnet.org/articles/9-european-cities-that-are-making-great-strides-to-become-car-free

Autores: Leonardo Yoshiaki Kamigauti (IAG-USP), Ana Luiza Fontenelle (PSE/FEM-UNICAMP) e Marcos Augusto Stoco (IAG-USP)

E-mails de contato: leonardo.kamigauti@usp.br, analuizafontenelle@gmail.com e marcos.a.stoco@gmail.com

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