Por Andrea Struchel e Ana Carboni

Nosso planeta conta com mais gente habitando as áreas urbanas em detrimento das rurais e, no Brasil, não é diferente, a grande maioria da população vive em áreas urbanizadas. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015[1], 84,72% dos brasileiros reside em áreas integradas a uma cidade de média ou grande porte. Em 2018, dados de uma pesquisa do IBGE[2] revelaram que 317 cidades, correspondendo a 6% do total de municípios do país, concentram mais da metade da população (57%).

Como efeito colateral desse fenômeno, as cidades padecem de vários tipos de poluição, entre elas a atmosférica. Contribuem para essa poluição as fontes fixas, em sua maioria processos produtivos industriais, e as fontes móveis, com o uso de transporte rodoviário, por exemplo. Nos últimos anos houve um crescimento nos níveis de motorização individual no país, consequência de período de maior prosperidade econômica[3]. Bem observa Ana Maria Moreira Marchesan: “O que se vê em nossas cidades é o aumento indiscriminado de veículos. O automóvel toma o lugar de construções, de árvores, das praças, das calçadas.”[4] Ao mesmo tempo, há um crescente de que a mobilidade nas cidades tem papel importante na emissão de poluentes. Neste contexto, temos normas nacionais, especialmente editadas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e várias políticas estaduais e locais que visam diminuir a emissão de poluentes por veículos automotores, especialmente por meio rodízio de veículos, como é o caso de São Paulo. A Lei Federal 10.203/01 autoriza os governos estaduais e municipais a estabelecer normas e medidas adicionais de controle de poluição de veículos automotores em circulação, em conformidade com o Programa Nacional de Controle de Poluição por Veículos Automotore (Proconve).

Nessa linha, não somente a importância do transporte coletivo em face do individual, mas a adoção de formas menos poluentes (combustível e mecanismos anti-poluição em veículos), o afastamento de estímulos ao mercado de veículos automotores (especialmente os mais poluentes), o investimento em sistema de transporte coletivo acessível e eficiente, a  integração dos modais de transporte, a promoção do uso de modais ativos, substituindo as viagens motorizadas, especialmente em viagens curtas, são ações tão conhecidas como necessárias.

Dessa forma, o debate se faz em todas as esferas governamentais, mas suas principais consequências recaem sobre os municípios, onde o cenário de desigualdade social, faz com que as pessoas, além de perder qualidade de vida, em grau progressivo, recorram aos sistemas públicos de saúde, não somente por pandemias (como é o caso do novo coronavírus), mas especialmente por doenças respiratórias e, mais modernamente  pela incidência de doenças crônicas.

Para além das ações apontadas, as bicicletas protagonizam nesse cenário, ao não somente cumprir um papel de lazer e esportivo importante, mas também como forma de transporte não poluente e saudável que, agregado a outros modais, se insere e potencializa o conceito de mobilidade urbana sustentável, nos termos da Lei Federal 12.587, de 02 de janeiro de 2012, art. 24, §3º e Lei  Federal 13.724, de 04 de outubro de 2018. A bicicleta tem um papel importante a desempenhar, tendo impacto direto e indireto em todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[5]. Não é despiciendo trazer à lembrança de tratados internacionais que influenciaram a Agenda 2030 e a construção das ODS e aplaudem o princípio da prevenção, consagrado desde a década de 70 (prestigiado na Declaração de Estocolmo/1972 por meio dos princípios 2, 3, 5, 6 e 7) e reafirmado na Declaração do Rio/1992 (princípio 17). Seu comando é claro: evitar ou minimizar o máximo possível a ocorrência de danos ao meio ambiente e a saúde do ser humano.

Neste sentido, a ciclomobilidade, nela incluída o necessário desenho das cidades com infraestrutura necessária para o deslocamento urbano por meio de bicicletas, merece ser respeitada e ampliada, com a  premissa de resguardar o direito ao meio ambiente menos poluído de todos os cidadãos, num necessário modelo de transição da governança corporativa para a climática.

Em maio deste ano, a União de Ciclistas do Brasil lançou a campanha “Bicicleta para Futuros Possíveis” com duas frentes de atuação: incidência no poder público federal e apoio a organizações locais para incidência municipal e estadual. Vale a pena conferir e se mobilizar para uma mobilidade urbana sustentável!

Andrea Struchel é Mestre em Urbanismo e Graduada em Direito, ambos pela PUC-Campinas. Especializada em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e em Direito Processual pela Universidade da Amazônia. Atua como Supervisora Departamental junto à Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Campinas-SP desde 2014. É vice-presidente da ANAMMA-SP, desde 2020. Também é autora do livro Licenciamento Ambiental Municipal (2016), e co-organizadora do Livro Gestão Ambiental para Cidades Sustentáveis (2019), ambos publicados pela editora Oficina de Textos. Leciona temas de direito administrativo e gestão e política ambiental na Escola de Governo do Servidor da Prefeitura Municipal de Campinas, desde 2013. Além de ser atualmente Conselheira do Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, pela ANAMMA-SP e membro do Grupo de Estudos Ambientais do Departamento de Meio Ambiente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (desde 2005). É voluntária da ONG Bike Anjo de Campinas (desde 2019), contribuindo com a parte de articulação e comunicação e membro do Conselho Fiscal da ONG, desde 2020.

Ana Carboni é atualmente Diretora Presidenta da União de Ciclistas do Brasil – UCB, organização da sociedade civil com atual nacional. É Prefeita da Bicicleta de Niterói, parte da rede de Prefeitos e Líderes da BYCS, uma iniciativa global com sede em Amsterdã e com a missão de promover o uso da bicicleta no mundo. Formada em Psicologia, tem mestrado em Gestão de Recursos Humanos pelo Kings College London, tendo exercido a profissão no Brasil, Reino Unido e Uruguai. Retornou em definitivo para Niterói, sua cidade natal, em 2014. E, desde então, vem participando ativamente da promoção da bicicleta como modal de transporte viável, barato, saudável e sustentável. É integrante da rede Bike Anjo, foi membro do Conselho Deliberativo e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da União dos Ciclistas do Brasil (UCB). Foi ainda Coordenadora de Incidência Política da campanha De Olho nos PlanMobs, parte do projeto Bicicleta nos Planos. Através de projetos e como voluntária, faz incidência política pela bicicleta em âmbito federal e municipal.


[1] Disponível em <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.html> Acesso em Junho 2020.

[2] Disponível em <https://www.folhape.com.br/noticias/brasil/mais-da-metade-da-populacao-brasileira-vive-em-5-das-cidades-do-pais/79505/> Acesso em Junho 2020

[3] Disponível em <https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wp-content/uploads/2019/09/mapa_moto2019v2.pdf> Acesso em Junho 2020.

[4] MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Tutela jurídica da paisagem no espaço urbano. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 11, n. 44, p. 7-34, jul./set. 2006

[5] Disponível em <http://uniaodeciclistas.org.br/wp-content/uploads/2018/05/Objetivos-do-desenvolvimento-sustent%C3%A1vel-ODS-V.2.pdf> Acesso em Junho 2020

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