Por Giovanni Galvão

É bastante interessante e surpreendente perceber que para o meio ambiente urbano a pandemia de COVID-19 traz diretas consequências ora despoluidoras, ora agravantes das diversas formas de poluição e algumas indiretas, que decorrerão das crises econômica, fiscal e social que se seguirão à pandemia.

ALGUNS EFEITOS PERNICIOSOS DIRETOS

A mídia tem informado o preocupante aumento do “lixo hospitalar”, tecnicamente chamado “resíduos de serviços de saúde”. Se hospitais, clínicas e laboratórios costumam produzir anualmente, no Brasil, 253 mil toneladas desses resíduos, nesta época de pandemia a previsão é a multiplicação de 4 vezes desse material, segundo relatório técnico da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) enviado ao Ministério da Saúde.

Há diversos motivos de preocupação. Um deles é a destinação destes resíduos em local inadequado, sem separação dos demais resíduos, com potencial para agravar situações de poluição do solo ou de contaminação de águas subterrâneas; outro é a incineração desses resíduos de forma equivocada, produzindo expressiva quantidade de CO2 (dióxido de carbono) com agravos à camada de ozônio, intensificação do efeito estufa, aumento da temperatura média (aquecimento) e mudanças climáticas.

Já o isolamento (quarentena), compelindo as pessoas a permanecerem em seus domicílios, resulta redução dos resíduos de empresas e aumento dos resíduos domésticos. Isto preocupa porque empresas de algum porte costumam ter alguma responsabilidade ambiental quanto à destinação dos resíduos por elas produzidos, separam os recicláveis e dão a eles uma destinação diferenciada em relação ao lixo orgânico.

Mas isto não acontece da mesma forma e na mesma intensidade nas famílias. Embora quase 90% das famílias afirmem considerar importante a separação de recicláveis, apenas 13% do lixo sólido é reciclado no país. Se considerarmos que 30% a 40% desses resíduos são recicláveis (os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – Ipea, de 2017) isto revela um quadro preocupante, pois com a pandemia e o aumento da quantidade de lixo domiciliar, a não reciclagem tende a aumentar.

ALGUNS EFEITOS POSITIVOS DIRETOS

Tanto o isolamento quanto o distanciamento social e a redução geral da atividade humana determinados ou recomendados pela pandemia de COVID-19 aparentemente não produzem qualquer efeito positivo ou nefasto para situações de poluição sonora, visual ou de águas. São nítidos, contudo, os efeitos positivos de redução da poluição atmosférica.

É notável como a virtualização da presença das pessoas em reuniões e cursos (antes presenciais) evita deslocamentos e, assim, contribui para a melhoria da qualidade do ar. Este parece um caminho sem volta. A sociedade brasileira tem aprendido (ou se conformado com esta ideia) que a companhia também acontece com a presença “meramente” virtual.

A redução de atividades industriais, do deslocamento de veículos por terra e por ar (profunda restrição de viagens aéreas) restringe a queima de combustíveis fósseis, como petróleo, querosene e gás mineral, com a consequente moderação na poluição atmosférica, do que resulta expressiva melhora da qualidade do ar respirável e da visibilidade do horizonte. Imagens de satélite têm confirmado há dias a impressionante redução dos níveis de poluição em países da Europa, da Ásia e da América, explicável por aquela redução.

Assim, pela primeira vez em décadas tem sido possível para a vizinhança admirar a formidável beleza do Himalaia a partir de sua vertente indiana, como ilustra esta imagem:

Efeito positivo até certo ponto imprevisível decorrente da paralização das atividades humanas corriqueiras e tradicionais foi o fenômeno curioso da limpeza dos canais de Veneza, fruto da decantação das impurezas e partículas suspensas nas águas da laguna, aprisionadas pelo lodo.

Os canais de Veneza são vistos atualmente em toda a sua beleza, com diversos tons de azul e muitos peixes. Um espetáculo que desaparecerá tão logo retornem à atividade as centenas de gôndolas da antiga República Vêneta, que fazem a alegria e o encantamento de turistas, com seus “gondolieri” revolvendo com remos o fundo dos canais, fazendo desaparecer aquelas belezas.

Alterações no meio ambiente do trabalho também têm sido intensas. O home-office ou “teletrabalho”, formas de atuação profissional que vinham progressivamente aparecendo no mercado de trabalho, foram às pressas e massivamente adotadas neste período. A forma de trabalho à distância é agora uma nova realidade que se impõe e à qual grande parte dos trabalhadores precisa adaptar-se repentinamente. Os meios de comunicação remotos vieram para ficar.

O trabalho presencial, reuniões presenciais, encontros profissionais de mútuas consultas e aproximações, tudo isto que até agora eram regra, tendem a passar a ser exceção. A regra passa a ser trabalho, reuniões e encontros remotos. As pessoas deverão aperceber-se da desnecessidade ou pouca lógica dos constantes e diários, múltiplos e desgastantes deslocamentos físicos. Valorizarão aquele tempo enorme antes despendido no trânsito. Este conjunto de deslocamentos que deixarão de acontecer favorecerá grandemente a qualidade do ar que se respira em grandes cidades.

Outra vantagem deste período altamente impactante será uma significativa alteração da relação de respeito de humanos com animais. Tendo o vírus provindo da prática de as pessoas se alimentarem de animais de todo tipo, esta constatação provavelmente levará número importante de humanos a rejeitar alimentos que decorram de sofrimento e morte de animais. E a fauna, que faz parte do meio ambiente, não precisará ser permanentemente ampliada para continuar atendendo à inesgotável e crescente demanda humana por carnes de todo tipo.

Trata-se de uma alteração comportamental notável que resultará no incremento do respeito que os animais merecem. Continuaremos a estar longe de eliminar ou de reduzir significativamente a carne de animais de nossos cardápios, mas teremos dado alguns passos nesta direção por meio da conscientização de que isto é importante. A substituição da proteína animal por outras fontes proteicas se ampliará e sedimentará.

Finalmente, na relação dos benefícios, é possível mencionar a valorização dos espaços ambientais como locais de fruição de benefícios físicos e psicológicos de todo tipo e renovação de energia. Depois de estarem trancafiadas em casa por longos períodos, as pessoas tenderão a constatar o quanto faz falta o contato com a natureza, com luz do sol, árvores, lagos, rios, matas e caminhos arborizados. Isto vale para a atual geração e para pelo menos duas outras que virão. As narrativas deste período talvez só desapareçam na terceira geração, pelo distanciamento da memória em relação à atual.

ALGUNS EFEITOS LESIVOS INDIRETOS NO PERÍODO DA PÓS PANDEMIA

À crise sanitária criada pelo Covid-19, que como afirmado traz benefícios ou dificuldades ambientais diretas, se seguirão crise econômica, crise fiscal e crise social, todas elas causando – direta ou indiretamente – diversos agravos ambientais. 

Algumas considerações são possíveis a partir desses dados: quanto às ofensas ambientais trazidas pela Covid-19, pode-se desconfiar que não fossem inteiramente previsíveis, mas nem por isto deixam de ser preocupantes e certamente exigirão criatividade e muito investimento para serem enfrentadas com um mínimo de eficácia.

O problema é que este investimento não virá do poder público, que estará às voltas com grave crise fiscal que será produzida pela expressiva queda de arrecadação, necessidade de socorro da União aos Estados Federados e redução da capacidade de investimentos federal, estadual e municipal. 

E talvez não venha, também, do setor privado, já que investidores estarão com recursos focados no enfrentamento da crise econômica. Se a COVID-19 tira vidas (CPF´s) em impressionante velocidade e quantidade, a crise econômica matará CNPJ´s na mesma velocidade e em ainda maior quantidade. Comprometida a capacidade de investimento destes dois setores, o enfrentamento daquelas dificuldades ambientais tenderá a se ressentir da falta de recursos, estendendo tais problemas no tempo.

Já os benefícios ambientais trazidos pela pandemia, são efêmeros. Alguns serão dissipados pelo primeiro vento do retorno da atividade industrial tradicional, como se dará com a qualidade do ar e a visibilidade do horizonte. A mudança nas emissões de CO2 não é permanente. É triste constatar que um benefício ambiental só aconteça a partir da paralização de uma atividade humana. Triste porque o inverso significa que problemas ambientais constituem algo como “um preço a pagar” como decorrência dos benefícios da atividade industrial.

E não precisa ser assim. Atividade industrial e meio ambiente não precisam comportar-se como dia e noite, em que um só acontece quando ausente o outro. É tecnologicamente possível compatibilizar e aproximar estes interesses.

A instalação de filtros industriais e a revisão do modelo energético brasileiro com o incentivo à produção de veículos elétricos (medidas que vinham merecendo alguma priorização pelas autoridades federais e algumas estaduais) tenderiam a progressivamente trazer melhoras à qualidade do ar e à experiência de visibilidade de entornos.

Infelizmente, contudo, é justo presumir que a crise econômica reduzirá muito a esperança de que empresas privadas continuem a investir com o mesmo ímpeto de antes na produção de veículos limpos, não poluidores. E isto é frustrante e muito perturbador.

Por outro lado, a situação de espaços ambientais protegidos vai provavelmente piorar substancialmente, por conta da crise social e do desemprego, que impedirão a muitas famílias a continuação do pagamento de aluguel e ensejarão avanços para fins de moradia sobre esses espaços (como áreas de proteção permanente) por estarem fora do mercado imobiliário e “à disposição” pela falta de fiscalização pública da sua intocabilidade determinada por lei. 

A pauperização de grandes contingentes populacionais tem potencial para criar uma crise de segurança pública, contribuindo para degradar o ambiente urbano. Se podemos falar na existência de um meio ambiente de relações humanas, este certamente será severamente impactado pelo fortalecimento de organizações criminosas, enfraquecimento da capacidade de resposta do poder público (como decorrência da crise fiscal), ocupação de espaços urbanos por participantes do sistema infracional e sujeição da sociedade local a esse poder informal.

Atuando reativamente, o Estado (pelos três níveis de gestão) precisará investir valores muito acima dos que investiria se atuasse preventivamente.

CONCLUSÕES

Escrevo no momento em que se atinge o ápice da curva de contaminação e o número de mortes no Brasil é crescente e veloz. As pessoas continuam em quarentena (embora quase metade delas não a respeite integralmente) e em muitas cidades e estados o quadro é desesperador, com já mais de 5 mil mortes no Brasil e a previsão é do incremento desse número em algumas vezes.

Tempos sombrios e amargos aguardam a sociedade brasileira, no terreno ambiental, como efeito da experiência traumática desta crise sanitária, que pode durar ainda alguns meses. Um tempo de incertezas, instabilidade e insegurança. Mas “não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe” e o estado atual de pandemia arrefecerá. Desafios até agora inimagináveis serão apresentados e demandarão muita criatividade e eficiência (realizando mais, com menos) na aplicação dos poucos recursos que estarão disponíveis.

Se o conjunto da sociedade perceber a importância de ser menos consumista, pela constatação, a partir de mortes alheias, da proximidade da experiência de final da vida – o que parece muito provável que ocorra – é bem possível que as indústrias não precisem produzir tantas coisas de utilidade ou necessidade duvidosa, amoldando-se às necessidades do não esgotamento ou não escassez dos recursos naturais, aproximando-se dos níveis ideais de uma produção sustentável.

Mas como quase todas as experiências ruins trazem algo positivo, é possível – e desejável – que a constatação da importância de alguns dos benefícios ambientais, ainda que temporários, decorrentes da pandemia e aqui analisados calem no espírito dos cidadãos e dos consumidores e provoquem mudanças comportamentais especialmente na conscientização dos danos das emissões; possível igualmente que este conjunto de crises incentive a sociedade a desenvolver formas de viver e produzir que ensinem caminhos para encarar a crise das mudanças climáticas, que não podem ser enfrentadas com quarentenas.


Giovanni Galvão Professor Doutor

Consultor Legal e Jurídico

Meio Ambiente, Terceiro Setor e Urbanismo

consultoriagiovannigalvao@gmail.com


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