Por: Luciana Console / ICLEI América do Sul.

Estamos vivendo uma emergência climática. É o que entidades científicas afirmam, embasadas nas grandes alterações no clima ao redor do mundo que só reforçam a situação em que o planeta Terra se encontra. De acordo com a ONU, a já nomeada crise climática é um dos maiores desafios do nosso tempo e muitos de seus impactos não poderão mais ser revertidos. Outros, estão na pauta de governos que, juntos, buscam minimizar os efeitos e impedir que a temperatura do planeta suba além dos 1,5°C estipulado no Acordo de Paris como meta para os próximos anos como forma de minimizar os impactos.

Para a gerente de Mudança do Clima e Biodiversidade da Rede ICLEI – Governos Locais Pela Sustentabilidade, Sophia Picarelli, a mudança climática acontece por conta de nosso modelo de desenvolvimento: “Principalmente a forma como produzimos, nos locomovemos e consumimos. Isso gera como impacto as emissões dos Gases de Efeito Estufa (GEE). Temos que buscar medidas de mitigação para tentar reduzir o nível”, afirma. 

A fala da gerente é confirmada por relatórios do órgão científico IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) dos últimos anos, que trazem a informação de que a massiva industrialização dos países e o crescimento populacional do século XX são os principais fatores que fizeram com que os níveis de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera aumentassem consideravelmente, influenciando diretamente a temperatura global.

O IPCC foi criado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pela ONU Meio Ambiente em 1988 e desde então realiza avaliações sobre as mudanças climáticas baseadas em pesquisas com especialistas do mundo todo. Os relatórios do órgão são feitos periodicamente e são fundamentais para guiar as políticas públicas de países engajados com o enfrentamento da mudança do clima.

De acordo com os estudos do IPCC, manter o aumento da temperatura global em 1,5°C evitaria impactos maiores na mudança climática, em comparação com um aumento de 2ºC ou mais. A elevação do nível do mar, por exemplo, é estipulada em 10 cm a menos com um aumento de temperatura global à 1,5°C ao invés de à 2ºC.

Outra mudança impactante tem relação com os recifes de corais. Caso o planeta se aqueça em 2°C, os recifes serão completamente extintos, o que não ocorrerá se a temperatura da Terra aumentar 1,5°C. Mesmo assim, a situação ainda é grave e para que os países consigam atingir essa meta, são necessárias mudanças drásticas no uso da energia e na dinâmica das cidades.

No entanto, o mais recente relatório especial do IPCC, lançado em Genebra, Suíça, dia 08 de agosto deste ano, aponta que o uso da terra, e não só o modo como usamos energia, também tem grande peso no aumento dos GEE e portanto, é parte da solução. De acordo com o documento, o solo sequestra quase um terço de todas as emissões de dióxido de carbono causadas pelo homem e que, por isso, é urgente a mudança das práticas agrícolas e o combate ao desmatamento, além da recuperação florestal. O relatório faz parte de três documentos especiais que antecedem o relatório principal do IPCC, em elaboração e previsto para ser lançado em 2022.

Fotógrafo: Andrea Rêgo Barros/PCR.

O que os governos estão fazendo?

Um dos grandes marcos na temática de mudança climática foi a assinatura do Acordo de Paris em 2016 por 175 líderes mundiais. O acordo internacional firmou o compromisso dos países em combater as mudanças climáticas e intensificar ações necessárias para um futuro sustentável e de baixo carbono. Para que os objetivos sejam alcançados, cada nação fica responsável por construir suas próprias Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), ou seja, formas de reduzir as emissões de GEE dentro do contexto e possibilidades de cada país.

No caso do Brasil, o país se comprometeu a reduzir as emissões até 2025 em 37% dos níveis de 2005. O aumento do uso de bioenergia sustentável e o reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas estão dentro dos compromissos.

Para Sophia Picarelli, devido a alta concentração de GEE na atmosfera, é preciso que a humanidade não só trabalhe para evitar um aumento da concentração como se adapte às alterações no globo que já são reais. Ela explica que as cidades precisam entender as vulnerabilidades climáticas presentes em seus territórios e buscar novos modelos de transporte, habitação e consumo, ou seja, medidas de mitigação. “Se a cidade não fizer nada, o risco dela ter grandes prejuízos e impactos é cada vez maior. Quem não olhar pra isso vai ficar pra trás, a agenda do clima vai pautar novos negócios, novas oportunidades, desenvolvimento de novos saberes. Tem que enxergar como oportunidade. Tem um investimento inicial, que às vezes não é barato, mas depois o retorno é grande, permitindo que a cidade até se destaque como pioneira”, ressalta Sophia.

Andrea Rêgo Barros/PCR.

No Brasil, a cidade de Recife, associada ao ICLEI América do Sul, é um exemplo de governo local que está agindo em prol do enfrentamento à crise climática. O prefeito da capital pernambucana Geraldo Julio, que é também presidente do Comitê Executivo Regional do ICLEI América do Sul, assinou no mês de novembro decreto que declara o reconhecimento à Emergência Climática Global. Recife é a primeira cidade brasileira a assinar o decreto, que a coloca junto a um movimento internacional no qual governos e entidades de 18 países já fazem parte.

A assinatura ocorreu durante a Conferência Brasileira de Mudança Climática, realizada entre 06 e 08 de novembro, na capital pernambucana, e foi um importante passo para o município, que ocupa a 16ª posição do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) no ranking das cidades mais vulneráveis à mudança climática no mundo. Na ocasião, Geraldo Júlio ressaltou seu comprometimento em zerar as emissões do município até 2050: “Tivemos a alegria de decretar o reconhecimento da Emergência Global do clima, isso vai gerar consequências do engajamento e alinhamento das  metas para 2030 e carbono zero em 2050”.  

Recife vem trabalhando em compromisso com a agenda do clima desde 2012, quando foi selecionada para ser uma das cidades do projeto do ICLEI com a ONU Habitat, Urban-LEDS. A construção de uma política efetiva de monitoramento e adaptação da cidade resultou no inventário da emissão dos Gases do Efeito Estufa, no Plano Municipal de Enfrentamento às Mudanças Climáticas e no Sistema Municipal de Unidades Protegidas. O município também foi selecionado para participar do LEDS Lab, iniciativa que auxilia municípios a elaborarem projetos financiáveis, com a proposta de instalação de painéis fotovoltaicos em equipamentos públicos nas áreas da saúde, educação, esporte e no edifício-sede da Prefeitura.

Entre as cidades que se destacam com ações de combate à mudança climática, Sophia também cita Campinas, no estado de São Paulo, que realizou o Inventário de Emissões de GEE da região metropolitana, beneficiando todos os municípios do entorno. Para Sophia, a iniciativa de explorar a cooperação entre os municípios é muito positiva, pois potencializa a ação de mitigação. Em Campinas também está presente o projeto INTERACT-Bio, do ICLEI, que apoia as regiões metropolitanas a compreender o potencial de sua biodiversidade e de seus serviços ecossistêmicos.

O inventário de gases de efeito estufa é o primeiro passo para que os governos locais possam seguir a agenda de enfrentamento da crise climática. Com ele, é possível medir as emissões de cada região e assim entender o contexto para traçar planos que se adequem às metas estabelecidas no Acordo de Paris

Relatório IPCC:

Fotos – Andrea Rêgo Barros/PCR.

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