Por Mário Gravem Borges, artista plástico, professor, curador
Novos tempos, velhos temas, novas vidas com seus problemas.
Outras lidas com mesmos lemas:
democracia acima de tudo.
O que não aprovo, mudo.
Quem discorda fique mudo: independência ou morte, não há outra sorte.
Mas lemas não resolvem problemas.
Give me liberty or give me death: happiness, liberty, life.
Life is bliss, life is strife,
stones you dismiss
go blessed, are rife
Life, beware! watch and pray
Watch and pray, or go astray.
Happiness is felicity.
Strife is complicity.
E felicidade é árvore de dourados pomos que nunca pomos onde estamos. (obrigado, Vicente de Carvalho)
De tempos em tempos relíquias preciosas se materializam inteiras.
Surtam no silêncio de termos internos e obras desfeitas de sonos eternos.
…o que surge pelas beiras, recessos da mente,
são prateleiras, eiras, beiras, memória,
é o avesso do espelho; é a contraditória;
o telhado talhado no barro sagrado
é o agrado que fica no ar, malgrado; é memória.
(Ah! o que fica nas prateleiras da mente…!)
É a arqueologia da ideia, intelectual projeção,
Sentido pensamento, mas em compactação…
É dor. É alegria. É do sentimento,
advenio logrado, sacramentado, arqueologia da ideia,
és interna, és praça, mas é silente a plateia.
Nossas cabeças não param. A História não para. A História se repete, mas nas brumas do tempo, muito se esquece quando a cabeça enfraquece.
Nem tudo volta e reluz, nem acode à memória.
Mas ideias, ah! Ideias, são vírus viventes…
(melhor o pleonasmo que covarde sarcasmo)
Entes, serpentes, volantes, amantes
Liberdade, essa falsa verdade, será pura ideia?
De algum cristão fariseu, ou ateu e ateia? Falsa, dúbia. Certeza não é. E por que ele insiste?
Bons ou maus, sim e não, vírus-ideias não morrem na luz,
Emergem e voltam, tornam e soltam, regurgitados: degustação,
Subindo, sumindo, descendo e dizendo, esquecendo e aprendendo,
reflexão:
no jardim da memória, na vez da vitória; no surrado refrão
reflexão
de ruminantes que somos: onde paramos; onde estamos?
onde foi que erramos?
Reflexão.
Que gaveta é aquela? guardava meus sonhos, tinha fecho perfeito
E sumiu acolá!
Meu pacote de sonhos, cadernos bisonhos, onde foi que deixei?
Quem sabe procuro. Vou até lá.
A organização perfeita, a estrutura refeita, idealização?
onde estarão? Onde andarão, se estiveram aqui?
Nossas intenções se mobilizam: ação compactada;
é a torrente corrente, é água parada.
Mobilização é movimento que desenha o momento, mas também arresta e faz parar.
Para o avanço do inimigo. Para o socorro do amigo.
É bom saber correr,
É bom saber parar.
A vida é fluxo, e fluxo movimento. Gente é vida, e, vida é de gente.
Bactéria é vida mas não é gente.
Bactéria salva gente se fica onde está.
Bactéria mata gente se flui acolá.
Mas vírus tem vida, e vida é gente; se mexe, se vira, inteligente.
Como peixe no rio, nada o afeta,
Nada no rio, o rio é de sangue,
O sangue é um rio, seu senhorio
Mas se nada o afeta.
O corpo revida, fecha a ferida. Sabão desinfeta.
E morre no ar, o vírus Corona, tão liso o genoma, tão sábia a matrona,
que fulmina o corona, e suspira o Corona, e afunda no mar.
Como entender este momento? Difícil qualquer argumento. Parar? Fechar? Abrir? Andar? Ora se fecha o que antes se abria. O que fazer, minha gente, com as cidades inchando, o trânsito parando, Corona chegando, a vida parando?
Madrugada, dia 25 de Abril, ano de 1974: uma musa: a Liberdade; uma música: Grândula Vila Morena (obrigado Zeca Afonso); uma praça: os Restauradores. Uma avenida: a Liberdade. No silêncio das horas mortas, a toada triste e marcial dessa marselhesa ressuscitada musicava a torrente crescente de revolucionários em marcha.
Pareciam bravos. Mas não.
Um disparo. Outro disparo. Outro tiro.
Chão vermelho. Quanto sangue! Mas não.
Não estavam bravos; Tiro Liro! eram cravos.
Não era sangue. Amor que volta. Bumerangue.
Avenida Liberdade, Praça Restauradores, Radio Renascença.
Advenio restaurado, outra verdade, anjo, eterna presença.
…e assim continuou a oscilar do pêndulo que deixa marcas no desenho da História de nossos tempos, este tempo e todos os outros. Abatido o inimigo – a tirania –, como se fosse apenas um, e restaurada a liberdade, árvore de dourados pomos, como se fosse a única, estava cumprida a missão dos revolucionários dos cravos. O tempo passou. Mais de quarenta anos depois, outro músico tocava (eram dois) na tarde do dia 25 de Abril na mesma praça e mesmos bancos, mesma avenida e mesmos jardins. Era o ano de 2020. Tocavam para uma imensa plateia, porém a rua estava vazia. A plateia, valendo-se da tecnologia, assistia ao concerto em casa. Novas fileiras de combatentes que a música conclamava à ação; novo anseio de liberdade, mas desta vez ansiava-se por liberdade de voltar às ruas. E a canção entoada, serena e resignada, não celebrava vitória. O inimigo era invisível … como a plateia, conspícua pela sua ausência da praça. O inimigo era um vírus; não o do amor, como o da famosa canção, mas do medo e destruição. A música na praça falava de amor. Outros músicos em outras praças também passaram a tocar para plateias encasteladas em seus refúgios para evadir o inimigo desconhecido. E pelas frestas das portas, janelas, muro e portões surgiu a graça do amor, a maior das virtudes, mãe de todas as outras. Surgiu como fluido que jorra de um recipiente espremido além do limite, e que jorra para elucidar o poder de restauração de tudo aquilo que um dia se quebrou; restauração pela crença num ser humano que humanizou uma humanidade desumana… a fé como expressão máxima do amor desvinculado a qualquer noção de ganho.
Quarentena da Quaresma do ano quarenta… a redenção, não importa o custo.
Para quem pode andar pelas ruas da cidade, de bicicleta ou a pé, nestes tempos de museus fechados, a pintura mural de Fabiano Carriero, carregada de identidade, enlaça temas, coisas e gentes como marcha alegre de felicidades sem fim.
Fotos – de Kamá Ribeiro, título e local:
Flores, Rosa, Cravo e Maria pintura de mural com parceria de Mirs Monstrengo e Dink, na Avenida Benjamin Constant Campinas, ano 2019, tamanho 7m X 3m
Pé de Galo, pintura de mural com parceira de Duda Ribas, ano 2019, Estação Cultura de Campinas, 12m X 2m.
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