Por Dra.Helena Rolla, Bióloga responsável pelas áreas de toxicidade e genotoxidade da NSF International – Laboratório Brasi.

Em 1959, o zoólogo William Russel e o microbiologista Rex Burch estabeleceram o conceito dos 3 Rs – Replace (Substituir), Reduction (Reduzir) e Refinement (Refinar) – iniciando um debate global sobre a utilização de animais na ciência. Desde então, deu-se início a busca por metodologias que permitam a redução do uso de animais em testes e experimentação científica. 

Neste intuito, a partir da década de 90, diversos países instauraram a formação de centros de pesquisas com a finalidade de desenvolver e validar métodos alternativos ao uso de animais. 

No Brasil, o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM) começou a ser idealizado em 2008, sendo oficialmente criado em 2013. Um ano após a sua formação, o BraCVAM recomendou o reconhecimento de 24 métodos alternativos validados pela Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tendo sido reconhecido pelo Conselho de Experimentação Animal (Concea), resultando em duas resoluções normativas; as RNs nº 17 e nº 18.

Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou os métodos alternativos estipulados nas RNs nº 17 e nº 18, e determinou que os laboratórios com instalações no Brasil teriam 5 anos (completados em setembro de 2019) para a implementação destas metodologias e substituição dos métodos que utilizam modelos in vivo

Uma das empresas líderes deste processo de transformação no Brasil é a NSF International – Laboratório Brasil que já vem realizando abordagens que combinem a revisão de dados disponíveis na literatura com análises in silico, in chemico e in vitro para a avaliação toxicológica de formulações agroquímicas e farmacêuticas. 

A seguir são apresentadas algumas metodologias já disponibilizadas ao mercado com uma breve explicação sobre cada uma das normativas nas quais elas se baseiam.

Abordagem Integrada de Testes para Avaliação – IATA

As normativas geradas pela OECD recomendam que, antes do início de qualquer novo teste toxicológico, em especial testes in vivo, os dados disponíveis na literatura devem ser considerados, de forma a evitar dados redundantes e principalmente sofrimento animal desnecessário. 

Desta forma, uma Abordagem Integrada de Testes para Avaliação (IATA) pode ser realizada (1). Uma IATA pode ser configurada em três etapas (Fig. 1), onde a primeira etapa se inicia com a busca de dados existentes acompanhada de uma Análise de Peso e Evidência (Weight Of Evidence – WOE), segunda etapa da IATA. Para esta análise de WOE, as informações disponíveis em base de dados relevantes são coletadas e avaliadas. 

As predições realizadas a partir da Relação Quantitativa entre Estrutura e Atividade (Quantitative Structure-Activity Relationship – QSAR) são um recurso efetivo para esta avaliação. No caso da realização da WOE de uma substância em estudo levar a uma tomada de decisão adequada, uma conclusão regulatória pode ser realizada para a classificação toxicológica. Se não for suficiente, novas análises devem ser realizadas, dando início à etapa 3, conforme descrito na Figura 1.

Figura 1. Partes de uma Abordagem Integrada de Testes para Avaliação

Este tipo de abordagem, iniciando pelas etapas 1 e 2, é uma tentativa de se obter uma conclusão regulatória sem a necessidade de testes. Nesta fase, o estudo de QSAR é realizado para dar suporte à esta abordagem. Se não for possível chegar a uma conclusão, uma nova fase do estudo, com a realização de testes é proposta. Importante mencionar que na etapa 3 da IATA, novos testes devem ser realizados com métodos alternativos, e o uso de animais deve ser considerado apenas em último caso. 

De acordo com a resolução brasileira, os métodos alternativos devem substituir os métodos in vivo em uso para testes de irritação/corrosão ocular, irritação/corrosão dérmica, sensibilização dérmica e estudos de micronúcleos.

Métodos Alternativos no contexto da IATA 

No caso da etapa 3 ser necessária, as seguintes normativas podem ser seguidas:

Irritação/Corrosão Ocular

OECD TG 491 – Short Time Exposure (STE)

O método Short Time Exposure – STE (Método de Exposição Curta) é um teste que analisa a capacidade de substâncias e misturas acarretarem dano ocular severo ou irritação ocular. Neste teste, uma linhagem celular derivada de córnea de coelho (Statens Seruminstitut Rabbit Cornea – SIRC) é tratada com duas concentrações da substância teste (5% e 0,05%). Após um breve tempo de exposição com a substância teste e o solvente controle, a viabilidade celular é mensurada através do teste de MTT. Nos casos em que a viabilidade celular fique em valores ≤ 70% nas duas concentrações testadas, a substância pode ser classificada como categoria 1 (potencial corrosivo). Já quando as duas concentrações apresentam um resultado de viabilidade celular > 70%, a substância é classificada como sem categoria (sem necessidade de classificação) (2).

OECD TG 492 – Epitélio Reconstruído Similar à Córnea Humana (Reconstructed Human Cornea-like Epithelium – RhCE)

Este teste utiliza um epitélio reconstruído similar à córnea humana para mimetizar o ambiente ocular. Neste teste, após a exposição do epitélio à substância teste e ao solvente controle, a viabilidade do tecido é avaliada a partir do teste MTT. O resultado apresentando uma viabilidade celular maior que 60%, a substância teste é classificada como sem categoria (sem necessidade de classificação) (3).

Irritação Dérmica

OECD TG 431 – Irritação da Pele in vitro Através de Epiderme Humana Reconstruída

A normativa 431 da OECD, utiliza um modelo tridimensional de pele humana onde a substância teste é aplicada. Após o tratamento da substância teste por um breve período, o teste MTT é realizado, permitindo a identificação de produtos com potencial corrosivo (4).

Corrosão Dérmica

OECD TG 439 – Corrosão da Pele in vitro Através de Epiderme Humana Reconstruída

A normativa 439 utiliza o mesmo modelo tridimensional de pele humana descrito na OECD 431, apresentando como única diferença o tempo de exposição ao qual a epiderme é exposta a substância teste (5).

Sensibilização Dérmica

As dermatites alérgicas são manifestações clínicas derivadas de uma resposta adaptativa do sistema imunológico após exposição a uma substância sensibilizante. Os eventos chaves químicos e biológicos na sensibilização dérmica são bem estabelecidos e conhecidos como Vias de Eventos Adversos (Adverse Outcome Pathways – AOP). 

O evento molecular inicial é a ligação covalente da substância sensibilizadora com proteínas da pele (haptenização) que pode ser detectado pelo teste in chemico Ensaio de Reatividade Direta de Peptídeos (Direct Peptide Reactivity Assay – DPRA) descrito na OECD 442C. 

O segundo evento ocorre nos queratinócitos e inclui respostas inflamatórias e mudanças na expressão gênica associadas a vias de sinalização específicas, podendo ser detectado pelo método KeratinoSens (ARE-Nrf2 Luciferase), descrito na normativa 442D da OECD. O terceiro evento chave, que pode ser avaliado pelos métodos descritos na OECD 442E (h-CLAT, U-SENS e IL-8 LUC), é a ativação (maturação) e mobilização das células de Langerhans e células dendríticas. 

Os eventos 2 e 3 ocorrem em nível celular, já o quarto evento ocorre no tecido, com a ativação e proliferação de células T, mediado por células dendríticas, avaliados por teste local de linfonodo (LLNA, OECD 429). A ativação destes eventos irá resultar em processo inflamatório, sendo a resposta do organismo ao agente sensibilizante (Fig. 2).

Figura 2. As vias de eventos adversos e os testes validados para avaliação de cada evento chave.

Abordagens definidas para sensibilização dérmica no contexto da IATA

O documento da OECD 256(6) fornece alguns exemplos de abordagens que devem ser utilizados, de acordo com o contexto da IATA, para a análise de sensibilização dérmica. Uma abordagem definida, ou seja, uma abordagem padronizada, consiste em um procedimento de interpretação de dados aplicado à resultados gerados de fontes de informações conhecidas. 

Em contraste com a abordagem clássica da IATA, que apresenta um certo grau de subjetividade, predições geradas a partir de abordagens definidas são baseadas em regras e podem ser utilizadas individualmente ou conjuntamente com outras fontes de informação no contexto de uma IATA. Estas abordagens foram desenvolvidas por corporações e podem identificar o potencial risco de uma substância teste (6). Um exemplo é a sequência estratégica desenvolvida pela Kao Corporation que avalia os eventos chave 1 e 3. 

A abordagem se inicia com o evento 3, e no caso de um resultado positivo, pode se concluir que a substância química acarrete sensibilização. No caso de o resultado ser negativo, o evento chave 1 deve ser avaliado através do teste DPRA. Um resultado de DPRA positivo é suficiente para classificar a substância como sensibilizante. Já no caso da obtenção de dois resultados negativos, há indicação de uma substância não sensibilizante (Fig. 3).

Figura 3. Abordagem de teste sequencial para predição de uma substância potencialmente sensibilizante.


Sobre a NSF International

Com sede localizada em Michigan, EUA, a NSF International é uma organização global líder comprometida em proteger e melhorar a saúde humana. Fundada em 1944, atua em mais de 150 países e conta com mais de 2.500 colaboradores, incluindo microbiologistas, toxicologistas, químicos, engenheiros e profissionais de saúde pública e ambiental para realizar a sua missão.


Por Dra.Helena Rolla, Bióloga responsável pelas áreas de toxicidade e genotoxidade da NSF International – Laboratório Brasil


REFERÊNCIAS

1. OECD Test No. 263 – Guidance Document on an Integrated Approach on Testing and Assessment (IATA) for Serious Eye Damage and Eye Irritation. 2017.

2. OECD Test No. 491 – Short Time Exposure In Vitro Test Method for Identifying Chemicals Inducing Serious Eye Damage and Chemicals Not Requiring Classification for Eye Irritation or Serious Eye Damage. 2018.

3. OECD Test No. 492 – Reconstructed human Cornea-like Epithelium (RhCE) test method for identifying chemicals not requiring classification and labelling for eye irritation or serious eye damage. 2018.

4. OECD Test No. 431 – In Vitro Skin Corrosion: Reconstructed Human Epidermis (Rhe) Test Method. 2014.

5. OECD Test No. 439 – In Vitro Skin Irritation: Reconstructed Human Epidermis Test Method. 2015.

6. OECD Test No. 256 – on the Reporting of Defined Approaches and Individual Information Sources to be Used within Integrated Approaches to Testing and Assessment (IATA) for Skin Sensitisation. 2016.

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