Por Prof. Dr. Jodir Pereira da Silva.

Aos 18 de julho do ano de 64 da era cristã, cerca de dois terços da cidade de Roma arderam em chamas. Alguns acreditam que o causador do incêndio teria sido o imperador piromaníaco romano Nero, pois vários textos relatam que enquanto muitas pessoas morriam pela ação do fogo, o imperador tocava lira durante o alastramento do fogo. Relatos descrevem que o incêndio se alastrou rapidamente pois o fogo encontrou, num período de verão e na construção baseada em madeiras, associado a ventos de sentido sudeste, fatores que favoreceram a disseminação das chamas.

Independente de Nero ser ou não o causador do incêndio de Roma, caberia a ele a responsabilidade de combater o fogo, e não atuando adequadamente, demonstrou incompetência.

Nos dias de hoje, incêndios que causam muitas mortes têm sido vistos em diferentes locais do planeta. Incêndios castigaram a Austrália entre 2019 e 2020, nos Estados Unidos em 2020, incêndios no oeste do país deixaram muitos mortos e desabrigados e aqui no Brasil não tem sido diferente. Incêndios se alastram por biomas brasileiros de elevada biodiversidade, causando perdas irreparáveis. Além disso, os incêndios têm sido registrados também próximos a grandes centros urbanos.

Alguém poderia perguntar: Mas o que há de mal nisso?

Primeiramente, as queimadas aumentam a concentração de poluentes na atmosfera que, combinados com a fuligem, prejudicam severamente nosso sistema respiratório. Além disso, dentre os gases emitidos nas queimadas, encontram-se o CO (monóxido de carbono) e o CO2 (dióxido de carbono). 

O monóxido de carbono pode gerar morte por hipóxia tecidual e reduz grandemente a capacidade da molécula de hemoglobina, que se encontra em nossas hemácias do sangue, de transportar oxigênio. 

O dióxido de carbono, mais conhecido como gás carbônico, é o grande vilão das alterações climáticas que vemos estampadas nos jornais recorrentemente nos últimos tempos. Assim, devemos buscar meios de capturar e fixar o gás carbônico e não meios de liberar mais CO2 para a atmosfera. Para tanto, devemos aumentar o único processo biológico capaz de “sequestrar” o carbono, que é a fotossíntese. Ou seja, não é o momento de atear fogo em formações florestais, mas, ao contrário, de preservar e, se possível, ampliar nossas reservas florestais, sobretudo urbanas. Queimadas em florestas agravarão os processos já em curso e sinalizados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de alteração de regimes de chuvas, aumento da temperatura média global, ocorrência de furacões em maior frequência e com maior poder de destruição, dentre vários outros efeitos indesejáveis.

Florestas urbanas têm indicado (e temos desenvolvido pesquisas para documentar isso) capacidade de redução de poluentes em ambientes urbanos, com melhora da qualidade do ar.

As queimadas trazem também outros problemas, dentre eles, a perda da fertilidade do solo a longo prazo. A queimada retira vários nutrientes do solo e mata grande parte da fauna de solo, responsável por facilitar a incorporação de nutrientes minerais e água no solo. Com sua morte, o solo tende a ficar mais compactado e pobre em nutrientes, perdendo fertilidade. Solos com baixa fertilidade, a longo prazo demandarão altos custos de correção de pH e de nutrientes para serem produtivos do ponto de vista agrícola ou ainda para a recuperação florestal.

As queimadas também reduzem drasticamente a biodiversidade vegetal e animal. E, senso o Brasil um país megabiodiverso, essas perdas atingem dimensão muito maior. Estamos perdendo remanescentes de Floresta Atlântica, Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal em velocidade nunca antes vista…

As perdas importam a todos. Muitos princípios ativos de medicamentos utilizados para tratamentos de diversas doenças vieram da nossa biodiversidade. Alguns dos organismos que estão sendo dizimados nem mesmo foram estudados. Estamos extinguindo espécies que nem mesmo conhecemos.

E de quem é a culpa? Do Nero? 

Como disse antes, pode haver Neros ateando fogo por aí, mas a responsabilidade e competência para evitar isso, em última análise, cabe a instituições ambientais, que estão sendo desaparelhadas e desmontadas pelo atual Governo Federal. Não podemos é admitir que exista alguém tocando lira neste momento…


Prof. Dr. Jodir Pereira da Silva

Biólogo (PUC-Campinas), mestre e doutor em Ciências (USP), Professor do CTC-UNICAMP, Pesquisador na área de monitoramento de florestas urbanas com tecnologia de drones.

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